A indústria cervejeira da Bélgica passa por uma fase de transição marcada pela queda no consumo interno de cerveja, compensada parcialmente pelo crescimento de segmentos como o das cervejas não alcoólicas e pela força do mercado de exportações.
Apesar da tradição centenária e do prestígio internacional, o setor enfrenta desafios estruturais que exigem adaptação a novos hábitos de consumo e mudanças no comportamento do público europeu.
Segundo o relatório anual da Belgium Brewers Association, o consumo de cerveja na Bélgica caiu 2,1 % em 2024, mantendo a tendência de retração observada nos últimos anos. Trata‑se de um padrão que se repete: nos últimos dez anos, o consumo doméstico recuou cerca de 20 %, influenciado por fatores como pressão inflacionária, aumento de custos e preocupações com saúde.
Essa tendência não é exclusiva da Bélgica. Dados da Eurostat apontam para uma queda no consumo de cervejas alcoólicas em toda a União Europeia, com aumento simultâneo de bebidas não alcoólicas. A crise econômica, alçada pela pandemia e instabilidades geopolíticas, contribuiu para a transformação dos hábitos de consumo no continente.
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Paralelamente à redução no volume de consumo, o número de cervejarias na Bélgica seguiu crescendo na última década, refletindo o vigor da cena artesanal e o apelo de nichos especializados, uma tendência que se observou no mundo inteiro neste período
Em 2014, o país contava com cerca de 160 cervejarias registradas; em 2024, esse número chegou a 430, segundo dados da associação setorial. Apesar do menor volume consumido por pessoa, a diversidade de rótulos e marcas nunca foi tão ampla — impulsionada pela busca por diferenciação e valor agregado.
Enquanto cai o consumo de cervejas tradicionais, cresce com força o mercado de versões não alcoólicas. Na Bélgica, esse segmento passou de praticamente inexistente há cinco anos para representar cerca de 5 % do mercado total, com um crescimento de mais de 24 % entre 2021 e 2023. O aumento está conectado a uma demanda por produtos mais saudáveis e ao movimento “sober curious”, especialmente entre as gerações mais jovens.
Iniciativas de grandes grupos como AB InBev — que já conta com sete rótulos 0.0 no mercado — e investimentos em tecnologias de dealcoolisação elevam a qualidade das cervejas não alcoólicas, aproximando‐as de seus equivalentes alcoólicos. A crescente normalização desses produtos também chama a atenção: atualmente, é comum encontrá‑los em bares e torneiras, assim como acontece com as versões alcoólicas.
As exportações seguem sendo vitais para a indústria cervejeira belga, sendo responsáveis pelas vendas cerca de 70 % da do volume produzido, porém também apresentam queda.
Em 2024, os volumes exportados caíram 3,4 %, totalizando 14,5 milhões de hectolitros. Desses, 12,4 milhões foram destinados à UE, e cerca de 2 milhões aos mercados extracomunitários.
Apesar da queda, a retração nas exportações na Bélgica foi menos grave do que a observada em 2023 (queda de 7,5 %). Setores como cervejas especiais e de alta qualidade — características marcantes da produção belga — continuam em alta demanda externa, destacando o país como “embaixador internacional da cerveja belga”.
A indústria cervejeira belga ainda representa cerca de 1 % do PIB do país, com contribuição estimada em 4 bilhões de euros. No entanto, para escapar da trajetória de declínio, os especialistas recomendam um ambiente regulatório e de custos mais favorável, além de investimentos contínuos em inovação, tanto e m produtos alcoólicos quanto em alternativas sem álcool para garantir a competitividade global dos rótulos belgas.
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Sobre o autor
Felipe Freitas é analista do mercado de cerveja, engenheiro químico, mestre em Gestão da Inovação pela UFRJ. Fundador e editor do portal Catalisi.