A crise provocada pela contaminação de bebidas destiladas com metanol está provocando mudanças no consumo de bebidas alcoólicas. Segundo levantamento da consultoria Zig, bares e restaurantes registraram uma queda de até 70% nas vendas de destilados, ao passo que a cerveja ampliou de forma expressiva sua participação no consumo de bebidas.
O movimento, desencadeado por uma forte crise de confiança, evidencia como o comportamento do consumidor reage de maneira imediata a riscos de segurança e qualidade. Para o setor, o episódio representa um alerta sobre a vulnerabilidade da cadeia de destilados e o fortalecimento da cerveja como produto de confiança em momentos de incerteza.
A análise da Zig, baseada em 393 mil pedidos feitos por 110 mil consumidores em 371 estabelecimentos de São Paulo, revelou um cenário de retração acentuada nas bebidas destiladas. As vendas de gin caíram 77%, vodka 71% e rum 72%, resultando em uma média de 70% de queda na categoria.
Enquanto isso, bebidas de menor risco percebido registraram aumento. A participação da cerveja no mix total saltou de 47% para 68%, com espumantes subindo 58%, vinhos 36% e drinks prontos (RTDs) 29%. Mesmo com crescimento moderado em volume, a cerveja se consolidou como a escolha mais estável e previsível para o consumidor.
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O impacto financeiro também foi significativo. O faturamento médio dos estabelecimentos caiu 27%, e o ticket médio passou de R$ 136 para R$ 118. Regiões com forte presença de coquetelarias, como Itaim e Vila Madalena, foram as mais atingidas pela retração, conforme aponta a pesquisa.
O medo da contaminação afetou diretamente a percepção de segurança do consumidor. Com a repercussão dos casos de intoxicação, houve uma fuga imediata de categorias associadas à adulteração — sobretudo destilados vendidos em doses ou misturados em coquetéis.
Nesse contexto, a cerveja — especialmente em latas e garrafas lacradas — passou a representar confiança e controle. Marcas conhecidas e embalagens industriais se tornaram sinônimo de autenticidade, reduzindo o receio do público.
Esse comportamento é reforçado por um padrão já observado em outros mercados: diante de crises sanitárias, o consumidor tende a simplificar suas escolhas, priorizando produtos de procedência clara, padronizados e amplamente reconhecidos.
Casos recentes investigados apontam que o metanol usado em parte das bebidas adulteradas pode ter origem em adulteração de etanol combustível também adulterado com metanol.
Esse etanol combustível teria sido usado para encher garrafas de destilados como estratégia de falsificação e depois revendido.
Segundo a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), o mercado ilegal do setor cresceu 25% em 2024, migrando de falsificações importadas para produções clandestinas nacionais. Esse avanço ajuda a explicar a gravidade da crise atual e a desconfiança generalizada dos consumidores.
A recuperação do segmento de destilados dependerá de reconstrução de credibilidade. Marcas com rastreabilidade comprovada, certificações e comunicação transparente têm maior chance de se reposicionar, mas o retorno da confiança deve ser lento.
Se novas ocorrências de contaminação voltarem à mídia, o consumidor pode consolidar o hábito de evitar coquetéis e destilados, deslocando o consumo definitivamente para cervejas e vinhos.
Esse cenário pode gerar uma mudança estrutural no mercado, com bares e distribuidores reforçando portfólios de produtos considerados mais seguros — movimento que tende a favorecer tanto grandes marcas industriais quanto cervejarias com imagem consolidada de qualidade e controle.
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Sobre o autor
Felipe Freitas é analista do mercado de cerveja, engenheiro químico, mestre em Gestão da Inovação pela UFRJ. Fundador e editor do portal Catalisi.