Leilão Blondine: cervejaria avaliada em mais de R$ 3 milhões recebe ofertas abaixo disso

Leilão judicial da cervejaria Blondine em Itupeva expõe o descompasso entre valor industrial e preço de mercado

A fábrica da cervejaria Blondine, localizada em Itupeva (SP), está sendo leiloada judicialmente após a decretação de falência da empresa — e o resultado até o momento chama atenção: o ativo industrial, avaliado em mais de R$ 3,2 milhões, recebeu propostas que não ultrapassam R$ 250 mil.

A diferença drástica entre o valor de avaliação e as ofertas reforça o quanto o mercado secundário de ativos cervejeiros se tornou desafiador, refletindo não apenas a crise da própria Blondine, mas também o momento de retração e cautela entre investidores no segmento de bebidas artesanais.

O processo é conduzido pela Positivo Leilões, responsável pela alienação judicial da massa falida, sob supervisão do juízo da Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. O leilão recebe lances até o dia 08 de novembro.

Estrutura avaliada em milhões, lances ínfimos

O lote único reúne mais de 200 itens industriais, incluindo tanques de fermentação e maturação, bombas, tinas de mostura, sistemas de refrigeração, câmara fria, moinho de malte e equipamentos de controle de temperatura e filtragem. Todo o conjunto compõe uma linha de produção completa, com capacidade de cerca de 300 mil litros mensais, segundo informações do edital.


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Apesar disso, os valores oferecidos até agora ficaram muito aquém do esperado. Segundo informações publicadas pela site da organizafora, os lances não ultrapassaram até o momento R$ 250 mil, mesmo com nove empresas habilitadas a participar do pregão.

O leilão aceita novos lances até a homologação judicial, mas a distância entre o valor de avaliação e o interesse real de mercado indica que dificilmente o ativo alcançará preço próximo do estimado. O valor mínimo de incremento para novos lances é de R$ 20 mil, e o comprador ainda arca com 5% de comissão do leiloeiro.

Desvalorização reflete cenário mais amplo

O caso Blondine não é isolado. O setor de cervejas artesanais no Brasil vem enfrentando pressões financeiras intensas nos últimos anos: aumento de custos de insumos, retração de consumo pós-pandemia, concentração de mercado em grandes grupos e dificuldade de acesso a crédito têm levado várias marcas à reestruturação ou encerramento.

Leilões de equipamentos e fábricas tornaram-se mais comuns, mas raramente atingem valores próximos da avaliação contábil. O custo de remoção, adaptação técnica, manutenção e incertezas jurídicas desestimulam compradores — fatores que ajudam a explicar por que ativos avaliados em milhões são frequentemente arrematados por valores de fração mínima.

Da diversificação ao colapso

Fundada em 2010 e instalada em Itupeva desde 2014, a Blondine apostou em diversificação agressiva para além da cerveja artesanal, lançando linhas de refrigerantes naturais (Be Pop) e hard seltzers (Verano). A estratégia pretendia reduzir a dependência de um único produto e buscar novos nichos de consumo.

No entanto, o esforço exigiu alto investimento e ampliou custos operacionais em um momento de retração no mercado. Em fevereiro de 2025, a empresa teve a falência decretada, com dívidas estimadas em R$ 5 milhões — valor que inclui obrigações trabalhistas, fiscais e com fornecedores.

Leilão Blondine evidencia perda de valor no mercado de cerveja artesanal

O leilão da Blondine simboliza um ponto de inflexão para o mercado cervejeiro independente. Ele evidencia o desalinhamento entre capacidade instalada e viabilidade econômica em um setor que cresceu rapidamente, mas sem o mesmo ritmo de rentabilidade.

Para investidores e outras cervejarias, os ativos da Blondine representam uma oportunidade de expansão a custo reduzido, mas também um alerta: mesmo plantas modernas podem se tornar inviáveis diante de margens comprimidas e excesso de oferta no segmento.

Enquanto o leilão segue aberto, o caso Blondine torna-se um retrato das tensões que marcam a transição do mercado artesanal brasileiro — de um ciclo de euforia para um período de consolidação e realismo econômico.

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Sobre o autor

Felipe Freitas é analista do mercado de cerveja, engenheiro químico, mestre em Gestão da Inovação pela UFRJ. Fundador e editor do portal Catalisi.