A trajetória das microproduções de cerveja ao redor do mundo sempre contam com um ingrediente fundamental – uma história. Seja ela da tradição secular de cervejarias europeias quanto a linguagem contemporânea iniciada nos anos 1970 nos EUA.
Histórias geram engajamento e o sentimento de pertencimento de uma marca para um determinado público. Toda cerveja necessita ter como base um excelente líquido, mas a conexão com o público é gerada e sustentada por histórias que são comunicadas através dos pontos de contato com o público consumidor
Em se tratando da desafiante tarefa da expansão do público da cerveja artesanal no Brasil a história contada pela cerveja é primordial, pois diversos segmentos do público só se conectarão com produtos que falem uma língua com a qual possam se comunicar, além claro de apresentarem uma dimensão de preço e características sensoriais acessíveis a estes consumidores.
Um belo exemplo de como essas variáveis podem ser utilizadas para expandir o consumo deste segmento de cerveja, em territórios onde ainda pouco se investe nele, é o da paulista Graja Beer que se auto intitula “a cerveja de quebrada”.
A cervejaria foi fundada em 2018 no distrito do Grajaú na cidade de São Paulo. O local que conta com aproximadamente 500 mil habitantes, é a macrorregião mais populosa da cidade e integra a periferia da metrópole, longe do circuito badalado da capital paulista.
Leandro de Andrade, artista e designer, é um dos sócios e co-fundador da marca Graja Beer e acredita na geração de empatia da marca com o público de sua comunidade criando uma dinâmica de transformação da percepção de seu território.
“A cerveja artesanal propõe culturalmente um consumo em menores quantidades e melhor qualidade o que é perfeito para periferia que sofre com abuso do uso de álcool”, comenta Leandro.
Os planejamentos da Graja se iniciaram em 2016 com os sócios buscando um entendimento maior de mercado. Os sócios encontraram como melhor modelo possível para a sua realidade a produção terceirizada na fábrica da cervejaria OAK no Paraná, marca com a qual desenvolveram uma parceria.
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“As pessoas chegam num ponto de venda e enxergam Graja, o local onde elas moram. Uma cerveja que leva o nome do bairro, o rótulo mostra uma foto de uma avenida do bairro. Vemos uma predisposição do público de pagar um pouco mais por um produto que dialoga come ele, mesmo ainda não tendo chegado na nossa meta de preço”.
O conceito da cervejaria foi construído com a ideia de valorização de uma identidade local, mostrando que nem todos produtos consumidos por esse público necessitam ser ofertados por grandes empresas e acreditando que há um poder sócio-econômico a ser ativado em relação a cerveja artesanal fora dos segmentos mais elitizados associados a ela.
“O Grajaú é um local com cerca de 500 mil moradores, sendo maior que algumas cidades e até mesmo que alguns pequenos países da Europa. Logo temos um grande potencial de movimentação econômica e eu tenho o privilégio de poder dialogar com um público desse tamanho”, comenta Leandro.
Entre bares, mercados e restaurantes da zona sul paulista a Graja chegou a estar presente em 33 pontos de venda, porém recentemente o escoamento do produto foi redirecionado se concentrando no bar da marca inaugurado em junho, chamado Graja Beer Pub.
O bar próprio conta com mais dois sócios além dos fundadores da cervejaria, que são donos também da hamburgueria Pantcho’s, uma das mais populares da cidade, que fica é vizinha ao pub. “Nesse formato de sociedade o nosso bar têm duas pessoas que mexem com a bebida e duas que mexem com a comida”.
A Pantcho’s têm uma papel importante na trajetória comercial da Graja, Leandro comenta que na casa a lager da cervejaria é a cerveja mais vendida, mesmo apresentando um preço superior aos concorrentes, num claro engajamento do público local com a marca.
“Nosso contato com os donos da Pantcho´s já é antigo e rolou esta sintonia do que estamos fazendo. Na hamburgueria a Graja Beer vende mais que a Heineken, num lugar que tem uma quantidade grande vendida de cerveja”.
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Esse nível de consumo gera uma produção de cerca de 2.500 litros de cerveja para a Graja Beer por mês, tanto para abastecimento do seu novo pub quanto para atendimento de seus outros pontos de venda.
Apesar da necessidade de amadurecer seu ponto de venda próprio a Graja mantém a perspectiva de crescer em distribuição para dentro da comunidade e também para outros pontos da cidade.
“Queremos dar mais foco e maturidade nesse espaço, por isso no momento reduzimos um pouco nossa distribuição em outros pontos de venda, mas temos vontade de voltar a ampliá-la e também estar presentes em outros pontos da cidade e estabelecer um diálogo da identidade do nosso local com outras regiões de São Paulo”.
Sobre as perspectivas do negócio Leandro propõe um reflexão interessante sobre duas realidades distantes mas que podem ter suas diferenças encurtadas, e certamente o empoderamento de negócios locais é um dos fatores para que isso ocorra.
“Acho que foi num dos vídeos do Michael Jackson (o beer hunter, não o artista pop) na Alemanha que ele comenta que em Bamberg em 1989 havia em 75 mil moradores e 10 cervejarias, no Grajaú temos 500 mil moradores e nenhuma cervejaria” .
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Sobre o autor
Felipe Freitas é analista do mercado de cerveja, engenheiro químico, mestre em Gestão da Inovação pela UFRJ. Fundador e editor do portal Catalisi.