Nas últimas décadas no mercado de cerveja, um dos pontos de destaque que pode ser observado é o aumento contínuo do número de lançamentos que tem adentrado no segmento em diferentes camadas que abrangem a sua atuação, algo que tem ocorrido desde as menores da microcervejarias até os grandes conglomerados cervejeiros.
Lançamentos se tornaram ferramentas de estratégia de negócio no mercado de cerveja como nunca antes havia acontecido na trajetória de comercialização da bebida.
No passado das cervejarias históricas seculares europeias, o poder de atração de cervejas sazonais era o que havia de maior possibilidade para se variasse as ofertas da produção de cerveja, isso dentro de uma dinâmica de consumo para um período em que se valorizava muito a tradição do produto.
Com a ascensão das cervejarias de massa pelo mundo no começo do século XX, que criaram as grandes marcas de cerveja a nível nacional e globai, lançamentos eram sinônimo de aumento em custo e só eram realizados pontualmente para complementar o portfólio de maneira estratégica.
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Com a ascensão do mercado de cervejas artesanais nos Estados Unidos no final dos anos 1970, esta dinâmica de lançamentos pouco mudou, apelando para construção de portfólios fixos com a entrada de cervejas sazonais em determinados períodos do ano, como cervejas mais potentes no inverno ou uma Oktoberfest para pegar carona na fama da tradição alemã. no final do ano.
Entretanto, o segmento das microcervejarias nos Estados Unidos, mercado que mais tem influenciado nas mudanças de atividades de oferta e demanda da categoria de cerveja mundialmente em tempos recentes, criou uma nova dinâmica relacionada aos lançamentos nos últimos 10 anos.
Lançamentos de cerveja aumentaram em quantidade e importância, sendo que certas microcervejarias passaram a sequer contar com uma linha fixa de cervejas, trabalhando com uma interminável sequência de novidades para o seu público.
Esse fenômeno chegou a ponto de criar em 2019 uma campanha para destacar o valor de se consumir cervejas artesanais de linha fixa que foram marcantes para o desenvolvimento do mercado norte-americano e que passaram a ser enxergadas como fora do interesse por uma parcela relevante do público.
Essa dinâmica do aumento no número de lançamentos originada nos EUA se espalhou pelo mundo em diferentes níveis de adesão e o Brasil segue este caminho. Em 2018 a empresa de pesquisa de mercado Mintel chegou a destacar que o Brasil em número de lançamentos de cervejas para o varejo só perdia para os Estados Unidos.
Essa tendência no Brasil tem impactado desde o portfólio de cervejas dos grandes conglomerados que atingem um público de massa, algo fácil de perceber com as extensões de linha de marcas como Skol e Brahma da Ambev e Black Princess do Grupo Petrópolis, por exemplo, e especialmente tem influenciado diretamente o trabalho das marcas de cervejarias artesanais que incluem um nível de investimento em lançamentos de acordo com o posicionamento desejado no mercado.
Importante mencionar que a inclusão de lançamentos é uma ferramenta utilizada em diversos mercados além do de cerveja, seja para gerar repercussão ou para reposicionamento de portfólios. Porém, o nível que este fenômeno atingiu dentro do setor de cervejas artesanais possui poucos paralelos em outras áreas.
Foi criada uma percepção que o experimentalismo na criação de produtos é uma característica entre as mais marcantes do mercado de cervejas artesanais, e quanto mais experimentado é um consumidor inserido neste meio, maior será a propagação desta ideia para ele.
Interessante perceber que esta visão mais recentemente começou a impactar até mesmo o portfólio artesanal das grandes cervejarias e marcas como Colorado e Wals da Ambev e Ampolis do Grupo Petrópolis começaram a apresentar lançamentos experimentais com produção única, o que já apresenta esta dinâmica para uma faixa relevante de um grande público.
Já para um número grande de cervejarias artesanais independentes o a intensidade de lançamentos é uma forma de manter marcas em evidência seja pela criatividade inserida na receita ou também no design de embalagens. Não investir em lançamentos provoca o risco de perda de visibilidade entre as marcas que se associam a um posicionamento de experimentalismo e inovação.
De fato, essa corrida por lançamentos só foi possível no mercado de cerveja artesanal dado a flexibilidade dos modelos de negócio destas marcas e a menor escala de sua produção que permitem decisões rápidas e com custos dentro que a faixa do público seu consumidor está disposto a receber dentro do preço final.
Microcervejarias especializadas em públicos de nicho amantes de novidades praticamente apenas investem em lançamentos dentro de seu portfólio e no caso de algumas pequenas ciganas apenas essa dinâmica consegue viabilizar a venda de suas cervejas a preços mais elevados, já que seu nível de produção não permite competir em outras arenas.
Nunca se lançou tanta cerveja como no mercado atual da bebida no mundo, e a rota isto tem tomado mostra que essa tendência está longe de mudar.
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Sobre o autor
Felipe Freitas é analista do mercado de cerveja, engenheiro químico, mestre em Gestão da Inovação pela UFRJ. Fundador e editor do portal Catalisi.