A expansão do mercado de pequenas cervejarias no Brasil terá de passar pela combinação de competência com diversidade por todos os elos da cadeia que compõem este segmento.
A participação de mulheres neste processo é fundamental, pois se um dos objetivos é possuir uma diversidade de consumidores ao final da cadeia isso é facilitado ao se possuir uma equipe diversa na contribuição de ideias, auxiliando em tudo aquilo que a cerveja pode ser para o consumidor.
O mercado de cerveja é, no senso comum, um universo ainda muito masculinizado no Brasil e a área de produção de fábricas guarda relações ainda maiores no imaginário popular neste aspecto. Neste sentido, divulgar o trabalho e trajetória de cervejeiras ajuda na promoção de uma percepção mais rica de avanços já conquistados e na inspiração para outras mulheres que queiram romper obstáculos ainda existentes nesta área.
A cervejeira Gabi Kishi da cervejaria Zalaz de Paraisópolis em Minas Gerais, compartilhou com a Catalisi um pouco de sua história e os desafios e recompensas do trabalho relacionado a esta posição numa fábrica.
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Gabi cursou graduação em Engenharia de Alimentos, onde criou um interesse especial por produção de bebidas e dentre elas a cerveja foi ganhando destaque. “Eu sempre gostei de tomar cervejas e adorava experimentar cervejas diferentes, mas estava bem longe de ser uma beer geek” conta ela.
No último ano da faculdade um intercâmbio fez com que ela se decidisse a direcionar sua carreira para trabalhar com o assunto.
“No último ano de graduação eu fui para a Alemanha fazer intercâmbio. Como é um país referência no mundo da cerveja, decidi que iria tentar me aprofundar nessa área. Passei um semestre em uma universidade fazendo matérias de tecnologia cervejeira e depois me consegui um estágio e me mudei para Berlin. O estágio foi na Berliner Berg Brauerei, uma das cervejarias pioneiras na cena craft beer alemã. Foram muitas experiências incríveis: participar de uma colab com o pessoal da Brewdog pro Berlin Beer Week; visitar as fazendas de lúpulos no Hallertau; conhecer e fazer cerveja em cervejarias super tradicionais da Bavária, enfim… depois desse estágio eu tive certeza de que queria continuar aprendendo e trabalhando com cerveja”.
Dentre os obstáculos para avançar no meio cervejeiro, em especial na área de produção, Gabi comenta que teve a sorte de ter passar por cervejarias que nunca tiveram questões relativas a isso. Além da Berliner Berg e da Zalaz ela passou também pela cervejaria Dádiva de Várzea Paulista em São Paulo, mas por vezes algumas pessoas não ligam a ela a posição de cervejeira.
“O que sempre acontece é de alguém de fora da cervejaria chegar e querer trocar uma ideia com “o cervejeiro”. Quando eu me apresento como “a cervejeira”, rola um espanto ou uma desconfiança inicial. Ou eu dizer alguma coisa e a pessoa só aceitar/concordar depois que um homem diz a mesma coisa (homem, no caso, com o mesmo cargo que o meu). Há um sentimento de que você precisa sempre estar provando ser capaz”.
A rotina da cervejeira na Zalaz engloba uma diversidade de atividades como testes com novos ingredientes, testes de blends de barricas, contagens de leveduras, controle micriobiológico de cervejas e equipamentos, mas um momento se destaca para ela.
“Uma coisa que me emociona bastante é abrir uma cerveja produzida por mim e tomá-la com calma. Neste momento eu me lembro de todo o processo, do tempo, do trabalho, que ela levou para chegar até ali. Esse momento é impagável.”
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Sobre o autor
Felipe Freitas é analista do mercado de cerveja, engenheiro químico, mestre em Gestão da Inovação pela UFRJ. Fundador e editor do portal Catalisi.