A indústria cervejeira no Brasil está passando por uma transformação notável, com uma demanda crescente por cervejas artesanais e especiais. A necessidade de ingredientes de alta qualidade, associada a uma oportunidade para agricultores, está impulsionando a atenção para a produção local de lúpulo no Brasil.
Enquanto países tradicionalmente associados à produção de lúpulo dominaram o mercado por décadas, o Brasil está emergindo pela segunda vez como um participante promissor neste setor. Neste artigo, será explorado potencial da plantação de lúpulo no Brasil, e como a qualidade desse insumo cervejeiro vem evoluindo e se destacando.
Com uma população cada vez mais interessada em experimentar novos sabores e aromas, os cervejeiros tendem a buscar variedades de lúpulo únicas para diferenciar suas cervejas no mercado competitivo.
É exatamente este cenário que está abrindo uma janela de oportunidade para os produtores brasileiros explorarem o potencial de cultivar lúpulo localmente com características sensoriais únicas e intrínsecas, graças a uma jornada de desenvolvimento de tecnologias para adaptação do lúpulo para as condições cultivo existentes no Brasil.
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Apesar do potencial promissor, os desafios climáticos e agronômicos associados à plantação de lúpulo no Brasil não devem ser deixados de lado.
O lúpulo é tradicionalmente cultivado em climas onde o fator latitude é expandido durante o verão e reduzido no inverno, e adaptar as práticas de cultivo para o clima tropical do Brasil apresenta desafios significativos. Vale destacar que as pesquisas agronômicas são fundamentais para identificar as variedades de lúpulo mais adequadas para as condições climáticas brasileiras, além de desenvolver técnicas de cultivo apropriadas para garantir colheitas consistentes e de alta qualidade.
Fazendo uma análise dos dados obtidos na Copa Brasileira de Lúpulos 2023, foi possível concluir que, aproximadamente 30% das amostras de lúpulos enviadas para a copa eram Comet, o que é mais interessante nos resultados é a robustez das amostras desta variedade. A amostra que apresentou menor teor de alfa ácido foi de 9% e a maior foi de 15%.
Isso mostra o potencial que esta variedade tem em solo nacional, ultrapassando teores presentes nessa mesma variedade cultivada em regiões fora do Brasil. Os perfis sensoriais da variedade Comet se tornaram algo intrínseco e peculiar, os feedbacks dos juízes mostraram enorme diversidade aromática para a mesma variedade cultivada em diferentes regiões do país.
Em segundo lugar vem o Cascade, representado por aproximadamente 12% das inscrições. Essa variedade vem sofrendo com as condições de cultivo e, de acordo com os cultivadores, é uma variedade exigente e delicada para obter no solo. Os valores de ácido alfa para esta variedade variaram de 2 a 11%, e os perfis sensoriais totalmente reféns do processamento. Ou seja, amostras de cascade devidamente bem processadas apresentaram aromas interessantes e amostras que foram submetidas a um processamento comprometido obtiveram o reflexo disso no sensorial. Já as variedades Zeus, Saaz, Chinook e Nugget obtiveram uma distribuição média de 8% separadamente nas inscrições.
Os cultivadores de lúpulo receberam feedbacks das amostras enviadas, esse feedback tem como premissa estimular o aperfeiçoamento das técnicas de cultivo, manejo e processamento do lúpulo. Vale ressaltar pontos importantes sobre os feedbacks, como por exemplo a necessidade de tecnologia para o beneficiamento do lúpulo. O processo de secagem e peleltização ainda é um “gargalo” na produção de lúpulo nacional. Limitações tecnológicas e estruturais comprometeram a qualidade físico-química e sensorial das amostras.
A Copa Brasileira de Lúpulos possui 3 objetivos principais. O primeiro é estimular os produtores a melhorarem cada vez mais a sua produção com o feedback dos jurados. Em segundo, mostrar para os cervejeiros que temos lúpulo de qualidade cultivado em território nacional. E por fim, facilitar o networking entre os produtores e o seu principal cliente, os cervejeiros.
Durante a Copa Brasileira de Lúpulo, foi nítida a evolução da qualidade dos lúpulos nacionais da primeira edição da copa para a segunda. Amostras que eram verdadeiras bombas de aromas frutados, cítricos, resinosos e condimentados. Isso mostra que, embora os desafios sejam significativos, o potencial de crescimento sustentável e lucrativo torna este um empreendimento promissor. Com investimentos contínuos em pesquisa, tecnologia e desenvolvimento de práticas agrícolas adaptativas, o Brasil pode se posicionar como um player importante na produção de lúpulo, contribuindo para a diversificação e qualidade do mercado cervejeiro tanto nacional quanto internacionalmente.
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Sobre a Autora
Duan Ceola, Mestre em química pura e aplicada, professor e coordenador na Escola Superior de Cerveja e Malte (ESCM), sommelier de cervejas ESCM/Doemens e cervejeiro caseiro desde 2012. Desenvolve pesquisas relacionadas a utilização do lúpulo na cerveja, com publicações em revistas nacionais e internacionais, além do acompanhamento da qualidade e robustez dos lúpulos nacionais. Foi idealizador da Copa Brasileira de Lúpulo, atualmente atua como laboratorista na cervejaria Bellbrück em Chapecó/SC.