Os canais de distribuição do mercado de cerveja estão sendo reconfigurados

A crise do novo coronavírus está provocando uma profunda reconfiguração da cadeia comercial do mercado de cerveja

A necessidade de distanciamento social provocada pela pandemia do covid-19 trouxe desafios adicionais para que a indústria da cerveja chegue com seus produtos até o consumidor final.

Quando, como e o quanto de cerveja é adquirido pelas pessoas foi alterado drasticamente e os efeitos desta dinâmica se propagaram por toda a cadeia, fazendo com que os negócios reconfigurassem seus canais de distribuição para o atendimento ao público.

No caso de cervejarias artesanais independentes, estas mudanças impactaram as empresas em diferentes níveis, dependendo do tipo de modelo de negócio e também da sua estruturação anterior em relação a custos e posicionamento nos canais de venda.

Cervejarias artesanais com foco em distribuição, em boa parte das vezes, se viram obrigadas a criar canais de atendimento direto aos seus clientes para ao menos reduzir o impacto de queda nas vendas, o que acaba por gerar maior complexidade nos formatos de comercialização.


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Estas mudanças, eventualmente, estão ocasionando divergências com pontos de venda especializados que acreditam que as vendas diretas das cervejarias poderiam reduzir o volume de compradores nesses parceiros da cadeia.

“É preciso ter cuidado quanto à precificação e dinâmica de vendas dos canais próprios, para não atropelar os canais parceiros vendendo as cervejas ao consumidor final por um preço muito próximo ao repassado para os PDVs” comenta Érica Barbosa, fundadora do Marketing Cervejeiro.

Para que o ambiente comercial do mercado esteja saudável e a cadeia com parceiros seja preservada, Érica recomenda o desenvolvimento de estratégias que contemplem diferentes canais, reduzindo possíveis divergências.

“Eu recomendo usar a estratégia de up-selling nos canais da cervejaria, ou seja, ter um pedido mínimo para ter acesso a um preço diferenciado. O desconto pode ser progressivo, aumentando de acordo com a quantidade de cervejas. Por exemplo, 10% de desconto para 6 cervejas, 20% para 8 e 30% para 12. Ou ainda promoções de cross-selling, oferecendo desconto na compra de um combo com diferentes rótulos. Desta forma, o consumidor irá entender que está levando vantagem por comprar em quantidade, mas tem a opção de comprar apenas uma lata ou garrafa no delivery de um bar junto a uma comida, o que é uma experiência diferente. O relacionamento com os pontos de venda precisa ser mantido, a cadeia produtiva e de distribuição deve se apoiar agora para os negócios se reestruturarem juntos no momento de retomada” comenta ela.

O Marketing Cervejeiro está na última semana para inscrições em seu curso online Marketing de Cerveja, uma ótima oportunidade para que profissionais e empreendedores aprendam como desenvolver estratégias nesse novo momento do mercado de cerveja com conteúdo que aborda temas como branding, público alvo e marketing digital, por exemplo.

Brewpubs e taprooms estão sendo obrigados a comercializar fora de seu ambiente

Cervejarias cujo o modelo de negócio direcionava suas vendas principalmente para dentro do próprio estabelecimento, como brewpubs e taprooms, precisaram passar por uma total mudança e foram obrigados a focar em operações de entrega de produtos até o consumidor.

Esse movimento permite a estas cervejarias algum fluxo de receita, porém amplia seus custos, passando a necessitar de estrutura de distribuição, seja ela terceirizada ou própria. Soma-se a isso também maiores gastos com embalagens que permitem adicionar conveniência e reconhecimento da marca pelo consumidor final.

Neste caso ocorreu uma mudança radical de cervejarias cujo o atendimento era focado em serviço e passaram a ter que operar a distância para o seu público, algo longe do contemplado no planejamento de suas operações.

Mesmo com futuras medidas de relaxamento do isolamento social, esses negócios dentro de um médio prazo não deverão poder utilizar a capacidade máxima de atendimento de seus estabelecimentos, necessitando manter canais de venda mais diversificados para colaborar no faturamento.

Já microcervejarias de maior porte passaram a depender muito mais dos canais de distribuição do off-trade, com destaque para supermercados, que permitem um maior giro de volume.

Porém, era necessário que estas cervejarias estivessem bem posicionadas previamente nesses canais comerciais para que suas vendas pudessem amortecer de forma efetiva a queda de faturamento em outras modalidades, uma vez que as mudanças de comportamento do consumidor durante a crise fortaleceram a procura por marcas mais estabelecidas e com menor preço em grandes redes do varejo no geral.

As cervejarias artesanais de maior infra-estrutura, porém com posicionamento reduzido ou até mesmo inexistente no off-trade certamente são as que estão em maiores apuros, pois apenas as vendas online dificilmente compensarão os níveis de custos fixos atrelados ao seu funcionamento.

Pequenas e grandes cervejarias ampliam investimento no comércio online

O comércio online, dentro do contexto atual, foi o grande foco da reorganização dos canais comerciais no mercado de cerveja.

Pequenos negócios cervejeiros que passaram a utilizar em maior proporção esse canal de vendas de modo inesperado agora precisam iniciar a estruturação dessa atividade de maneira mais planejada. Esse é o único caminho para ampliar a participação desse modelo de vendas e racionalizar custos de operação. Esse direcionamento requer investimento em marketing e aproveitamento do aprendizado acumulado nos últimos meses para guiar replanejamentos de operação.

As grandes cervejarias do mercado brasileiro já atentaram para o papel estratégico que canais de vendas online vão desempenhar daqui para frente. A Ambev começou a colher frutos de seu investimento nesse sentido nos últimos anos e o Grupo Petrópolis sinalizou que esta área passará a receber mais atenção da companhia.

Os efeitos provocados pela crise do Covid-19 serão duradouros, de forma que o retorno para antigas dinâmicas existentes no mercado de cerveja demorarão para ocorrer e a maior probabilidade é de que elas nunca mais sejam exatamente como antes.


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Sobre o autor

Felipe Freitas é engenheiro químico, mestre em Gestão da Inovação Tecnológica pela EQ/UFRJ e analista do mercado de cervejas.