Catalisi Entrevista – Gustavo Simoni, fundador da Koala San Brew

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Gustavo Simoni. fundador da cervejaria mineira Koala San Brew, conversou com a Catalisi sobre os caminhos para desenvolver uma marca que transpira autenticidade

Conceito, inovação e ousadia e são alguns dos termos que se encaixam perfeitamanente para descrever a cervejaria mineira Koala San Brew, conforme se toma conhecimento de sua estrada e de seus produtos.

O mercado das cervejas artesanais tem diversos microsegmentos, e a escolha da Koala foi se posicionar no nicho que conjuga cervejas extremas e experimentais com pequenos volumes de produção.

Sustentabilidade e atitude são valores que dão um norte importante para a estrada que a Koala têm percorrido e seu fundador, Gustavo Simoni, comentou sobre as inspirações e aprendizados que têm se transformado em práticas presentes na condução da cervejaria.

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A Koala San Brew começou correndo atrás de como começar

“[No início] Tivemos que refazer nosso plano em 1/4 do tamanho inicial e daí foi aquele junta um dinheiro daqui, pede emprestado dali, vende um carro…”

Para iniciar a cervejaria Gustavo montou um planejamento com a meta de buscar instituições para financiá-lo, até se deparar com uma realidade, praticamente não existem meios de se financiar uma microcervejaria do zero no país.

Gustavo em ação numa brassagem. Fonte: Facebook Koala San Brew

“No Brasil praticamente não se financiam projetos de implantação, expansão até é possível. É necessário se ter um histórico por que os órgãos repassadores do programa do governo exigem isso. Depois que vimos que era impossível tivemos que refazer nosso plano em 1/4 do tamanho inicial e daí foi aquele junta um dinheiro daqui, pede emprestado dali, vende um carro…para aí sim comprarmos um maquinário mínimo e instalarmos para poder começar”

Após toda essa fase a Koala San Brew começou a produzir suas primeiras cervejas no início de 2014, com uma capacidade de produção de mil litros por mês na época.

Gustavo Simoni tem o apelido de Koala, o qual acabou por batizar a cervejaria. Ele é ex-músico e formado em administração de negócios, as duas experiências acabaram por agregar competências que hoje em dia ele utiliza na Koala San Brew.

A decisão de criar a cervejaria veio após um período onde se tornou cervejeiro caseiro, enquanto ainda era baterista e teve um insight ao ver a foto de seu bisavô que havia sido dono de uma cervejaria em Belo Horizonte chamada Gambrinus.

A escolha do Jardim Canadá, bairro da cidade de Nova Lima, para a instalação se deveu a área industrial ser próxima de Belo Horizonte e ser uma localidade de seu conhecimento pessoal. Ao longo do tempo o Jardim Canadá acabou atraindo outras cervejarias, inclusive sendo citado no anuário da cerveja do Ministério da Agricultura como um pólo de destaque de concentração de produtores da bebida.

“Nunca tivemos nenhum benefício promovido pela prefeitura. A grande vantagem deste pólo de Nova Lima é que nós somos bastante unidos, então sempre nos ajudamos em relação a conserto e empréstimos de equipamentos, por exemplo.”

Estrutura enxuta para experimentalismo acelerado

A estrutura da Koala é bastante enxuta, alinhada com o nicho de mercado onde ela atua. A capacidade de produção da cervejaria é de 7 mil litros por mês, onde a média de produção tem sido de 5 mil litros mensais. O investimento em matérias-primas de altíssima qualidade acaba por elevar o custo do produto o que gera o desafio de tradução deste preço para o público consumidor.

“Tem sido uma luta para nós, mas este posicionamento é o que realmente acreditamos e sobre o qual construímos nossa marca. Nossa equipe tem 5 pessoas além de mim que tocam o chão de fábrica, financeiro, comercial e estoque, enquanto eu fico mais no planejamento. A parte de marketing e publicidade fica fora da cervejaria com uma empresa chamada Coletivo Roda”.

Para trabalhar neste micro-nicho que é o segmento high end de um mercado pequeno como o da cerveja artesanal, Gustavo relata que é fundamental agregar valor ao líquido, pois de outro jeito microproduções não se sustentam.

“Hoje nós somos formadores de opinião e atuamos no hi end do segmento. mas mosso volume é minimo.Todo trabalho que fizemos e fazemos é voltado pra conceito e marca e não volume”


Leia mais: Tendências de branding para a cerveja artesanal


Colaborativas e séries de cerveja alimentam as inovações de produto na Koala

“As vezes eu crio uma receita que dá origem a uma identidade e as vezes eu crio uma identidade que dá origem a uma receita”

Uma das marcas do posicionamento da Koala é buscar estar inovando a frente do mercado e se dedicando a um público bastante segmentado, que busca cervejas extremas e receitas com insumos diferenciados.

Esse intenso grau de experimentação é alimentado principalmente por diversas séries temáticas de cervejas e um elevado número de cervejas colaborativas com cervejarias nacionais e internacionais.

“Buscamos lúpulos experimentais que ainda não chegaram no mercado, receitas extremas as vezes em álcool, as vezes em corpo ou adjuntos. Trabalhamos muito com cervejas com café que é uma segunda paixão nossa e nós usamos muito trabalhando diversas formas. Esse ano fizemos uma linha de uma cerveja escura nossa com adição de cinco tipos de cafés diferentes africanos”

Bar da fábrica da Koala em Nova Lima, Minas Gerais. Fonte: Facebook Koala San Brew

Um investimento diferente da Koala recentemente foi em receitas tradicionais alemãs. “Estaremos lançando em breve uma Pilsner com lúpulos e maltes importados de primeira qualidade, com maturação de três meses de tanque, o que é complicado pois agrega um custo relevante para o processo. Elas serão servidas exclusivamente no bar da fábrica”.

“As vezes eu crio uma receita que dá origem a uma identidade e as vezes eu crio uma identidade que dá origem a uma receita”

O bar da fábrica realmente é um elemento destaque da cervejaria. Ao investir num número muito grande de lançamentos, a Koala destina grande parte deles exclusivamente a este ponto de venda, investindo no contato direto com o seu público.

Estrategicamente, a disponibilização muitas vezes exclusivas desses lançamentos no bar da própria fábrica otimiza diversas questões financeiras ligadas a distribuição e potencializa o consumo fresco da cerveja. Com certeza esse é uma das melhores maneiras de se navegar pela infindável sede do público especializado por cervejas artesanais por lançamentos, tirando proveito da dinâmica de uma fábrica enxuta e versátil.

“O planejamento de portfólio da Koala é bem vivo, ele acaba refletindo muitas coisas que a gente está pesquisando , vendo desenvolvendo e tendo contato em tempo real. Nossa lista de receitas é sempre maior que nossa capacidade de execução, mas nessa fila de idéias acabam entrando muitas coisas do momento, as vezes eu crio uma receita que dá origem a uma identidade e as vezes eu crio uma identidade que dá origem a uma receita, mas o mais legal é quando as coisas acontecem juntas sinergeticamente”.

Construção de marca da Koala é indissociável da criatividade

“Nós lidamos com cada ação, serviço ou produto nosso criando uma identidade, um conceito com coesão com o todo”

A experiência como músico e engenheiro de áudio do fundador da Koala está intimamente ligado com a busca de criatividade da marca

“Essa experiência minha como artista me faz imprimir essa ideia de criar uma identidade para cada produto nosso o que acaba contando uma história, muitas das identidades dos produtos vem do universo da música e da engenharia de áudio que precisam ficar concisos com o todo”.

Uma ação recente da Koala alinhada ao valor de ‘fazer o que se acredita’ foi a migração da fonte de energia da fábrica para exclusivamente a partir de energia solar, através da instalação de painéis fotovoltaicos. Uma das inspirações para a medida foi o contato de Gustavo com a cervejaria norte-americana New Belgium que possui um extenso programa de sustentabilidade.

“A Koala nasceu inspirada em muitas coisas que vimos fora do país, principalmente cervejarias que buscam produtos e experiências inovadoras distintas, criando um ambiente para o consumidor e também colaborador que agregue cultura, experiência, conceito traz inovações e isso é muito do que a gente faz”.

Energia solar é o que move a fábrica e o fundador da Koala

“Em um das viagens que fiz para o Colorado (EUA) tive o prazer de fazer amizade com um cara que é um dos grandes responsáveis pela difusão da cerveja artesanal no mundo que é o Peter Bouckaert que startou e gerenciou a americana New Belgium, que é uma das maiores cervejarias artesanais do mundo. Ele humildemente me recebeu, me mostrando toda a estrutura da cervejaria incluindo os programas ecossustentáveis que me fascinaram” declara Gustavo.

Placas fotovoltaicas sendo instaladas no telhado da Koala San Brew. Fonte: Facebook Koala San Brew

Um desses programa que mais me fascinou na New Belgium foi o de energia verde onde eles chegavam a fornecer energia pra cidade em horários de pico. Isso me inspirou muito até porque sempre gostei das questões relacionadas a energia solar. Entretanto isso era menos viável anteriormente, mas faz 2 anos que esse cenário melhorou e resolvemos investir nisso”.

A Koala com a decisão tomada por Gustavo, inspirada na New Belgium, conseguiu recentemente completar a instalação de uma usina fotovoltaica que levou a troca de todos os equipamentos da brassagem da cervejaria que agora opera 100% com energia solar. Esta é apenas uma das iniciativas sustentáveis que a Koala tem investindo em adotar.

“A gente espera que a Koala inspire outras empresas, não só do nosso segmento, porque acreditamos que isso seja o futuro”.

Expectativas para o futuro do mercado e da Koala

Para o futuro do mercado Gustavo combina uma percepção realista das dificuldades vivenciadas com a expectativa do potencial a se explorar com crescimento e amadurecimento do público

“Sobre o futuro do mercado eu não sei te dizer, mas assim…Tem muita coisa errada de empresas ‘prostituindo’ o mercado através da burla fiscal ou com estrutura toda terceirizada as vezes por considerar isso apenas como hobby, essas atitudes preocupam a gente. Por outro lado é um mercado que está sempre crescendo, que está sempre aberto a novos estilos, apesar de ser ainda bastante mente fechada atrás apena de IPA, Double IPA, NEIPA, que adoramos fazer e beber, mas gostaríamos que o público fosse um pouco mais mente aberta para outras coisas”.

Continuando sobre suas perspectivas Gustavo toca nos pontos referentes a expectativas com a Koala e com o amadurecimento e aumento de seriedade do setor.

“Eu espero da Koala que nós atuemos em diversos estilos, principalmente em estilos clássicos com métodos e técnicas tradicionais como decocção e maturação longa, como no caso pilsners que estamos começando a fazer. Desejo também que o mercado esteja cada vez mais amplo, não só em números, mas mais consciente e que as empresas com um trabalho honesto e correto permaneçam enquanto as que não atuam dessa forma deixem o mercado”.

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Sobre o autor

Felipe Freitas é engenheiro químico, mestre em Gestão da Inovação Tecnológica pela EQ/UFRJ e analista do mercado de cervejas.