Desde o ano passado o número de brewpubs, cervejarias com serviço anexo focadas na produção de cerveja para consumo no próprio local, que passaram a incorporar latas as suas operações cresceu de forma relevante pelo país.
Com isso, as operações deste modelo de negócio para cervejarias ganhou novas oportunidades, buscando principalmente se adaptar as condições de mercado impostas pela pandemia e também acabaram por adicionar um novo nível de complexidade a sua forma de atuação, anteriormente dedicada a gerenciar seu ambiente de serviço interno.
Num contexto mais amplo, a utilização de embalagens ascendeu em todo o mundo relativo ao mercado de cerveja – acompanhando uma tendência presente em todo o mercado de bebidas – desde as grandes cervejarias até os pequenos Brewpubs resolveram investir na conveniência e facilidade logística presentes nas latas, que cresceram participação no varejo e nas vendas online.
O crescimento foi tal e sua perspectiva de manutenção é tão grande que uma das maiores produtoras de lata do mundo anunciou a construção de uma nova fábrica no Brasil visando capturar este mercado crescente para a embalagem.
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Mas porque um modelo de negócio focado em produzir cerveja diretamente para venda no balcão agora tem se preocupado em investir em latas, algo que aumenta seus custos, necessidade de investimento e adiciona complexidade a gestão?
Certamente a resposta mais simples é a acelerada mudança que a pandemia provocou no mercado de bebidas, e mais especificamente neste caso, no mercado de cerveja com a venda fora de bares e restaurantes se tornando a tônica para se chegar ao consumidor final.
Uma outra vantagem da utilização de latas por brewpubs, numa visão de mais longo prazo, reside também na embalagem poder servir de trampolim para a transição para outros modelos de negócio. A hoje internacional Goose Island da AB InBev, por exemplo, começou sua trajetória como um pequeno brewpub nos EUA.
A Catalisi conversou com três brewpubs de diferentes regiões do Brasil que adotaram latas ao longo do último ano para entender qual a visão que eles adquiriram sobre as oportunidades e desafios relacionados a inclusão da embalagem em suas operações.
Interessante perceber que todos eles já possuíam planos de adicionar a embalagem à sua operação e a situação da pandemia apenas acelerou a inclusão das latas como embalagem de seu portfólio de produtos.
“Já estávamos pensando na adoção de latas, a pandemia apenas acelerou o processo. Vimos que tínhamos que não depender apenas do interno pra sobreviver no longo prazo. Enlatamos e rotulamos tudo aqui na cervejaria. Foi uma reestruturação quase que completa das nossas operações” comentou Carolina Veras sócia do Brewstone Pub de Fortaleza no Ceará, inaugurado em 2019.
O Distrito Brewpub, localizado em Porto Alegre, foi um dos que acreditou que latas agregariam para sua operação. O brewpub, além de começar a utilizar a nova embalagem, investiu também na fusão de suas operações com a cervejaria cigana Suricato, formando a Cubo Cervejaria.
“Já tínhamos produzido latas para a Distrito em algumas ocasiões, mas não de forma permanente. Era um pedido recorrente de clientes, principalmente de fora da cidade e do estado. Pouco antes da pandemia havíamos iniciado o projeto para lançamento de rótulos em latas como estratégia de reforço de marca.” comentou Frederico Ottoni sócio-fundador do Distrito Brewpub, um dos mais tradicionais da capital gaúcha.
A cervejaria Kinke, um brewpub localizado na cidade de São Paulo, também passou a contar com latas como embalagem de sua diversidade de cervejas produzidas.
“Já Pensávamos em utilizar latas. Até mesmo lançamos nossa Hop Lager chamada Five Leaf Clover no final de 2019. O plano de lançamento dos nossos rótulos em latinhas foi acelerado durante a pandemia. Assim como nossa loja de venda online das cervejas.” comenta Carlos Urban, sócio-fundador da Kinke, acerca de pensamento inicial acerca da inclusão de latas na cervejaria.
“Houve mudança de comportamento dos clientes, tipo de compra. Em um primeiro momento os clientes se acostumaram com o delivery growler Pet. Só que depois de um tempo passou a ser insuficiente, pessoas estavam comprando mais em supermercado e/ou fazendo eventos em casa. Nessa segunda fase desenvolvemos uma cerveja para eventos, nossa premium lager. Tivemos uma ótima saída em chopeira e venda para outros estabelecimentos. Compramos um tanque de mil litros para produção dela pois não estávamos mais dando conta com o que tínhamos.” falou Carolina sobre como observou mudanças nos consumidores que precisaram acompanhar.
“Numa terceira fase foi… e se fechar de novo? Vamos investir em um equipamento de envase, daí a grande dúvida era se seria lata ou garrafa. Apesar do medo pois parte do nosso público estar mais acostumado com a garrafa, a falta do vidro no mercado poderia não nos ajudar muito, então fomos com o que queríamos e compramos uma enlatadora. No nosso segundo dia de vendas estávamos em lata em 6 estabelecimentos (incluindo um no aeroporto) ” analisou ela sobre a decisão de investimento e a ampliação de locais com suas cervejas.
Inevitavelmente a flexibilidade para que as latas permitam que brewpubs atinjam consumidores fora de seu local original tem seu preço. Isso significa uma ampliação do público que consome, mas numa margem de lucro inferior a do serviço interno na cervejaria.
“De maneira geral, um brewpub produz para venda direta nas suas torneiras, o que maximiza resultados. O custo para latas interfere no preço. Se você pegar o preço por litro na torneira, obviamente é menor ao compararmos com o preço por litro da cerveja na latinha. Porém, as latas facilitam muito a exposição da cerveja e da marca, fora do brewpub.” analisou Carlos sobre os custos relacionados a embalagem
“Os produtos e processos do Brewpub são pensados para uma venda nos taps da fábrica, em chope, sendo servido direto pelas mão da própria equipe e tendo a oportunidade de apresentar o produto, entender as preferências do cliente e harmonizar com a gastronomia. Temos domínio maior sobre a experiência de consumo.” comentou Frederico sobre a perspectiva inicial de operação de um Brewpub
“No momento em que passamos a envasar e distribuir, surgem novos cuidados e preocupações com a elaboração do produto e a percepção dos clientes, sendo necessário ajustes técnicos e um bom trabalho de comunicação nos rótulos. Além disso, os custos com terceirização do envase, rótulos, embalagens e distribuição, tudo em pequena escala e com um portfólio caracterizado pela diversificação do mix de produtos, pode gerar menor competitividade, dependendo da estratégia de vendas e do posicionamento.” complementa Frederico.
Com a inclusão das latas a dinâmica de produtos de um brewpub é bastante modificada, além da nova oportunidade de “jogar fora de casa” latas também geram oportunidades de maior aproveitamento de cervejas de menor giro em taps como analisa Frederico.
“Os principais benefícios que percebemos foram o maior alcance de clientes; o reforço de marca, colocando nossos rótulos na mão dos clientes dentro e fora do pub; a possibilidade de oferecer um mix mais amplo de produtos, inclusive de cervejas que tradicionalmente tem menor giro nas torneiras; e o aumento do ticket médio através da venda de produtos para levar.” analisou Frederico sobre os benefícios da utilização de lata no Distrito.
O reforço da presença da marca num local diferente do brewpub e o potencial que isso possui de atrair pessoas par a cervejaria foi percebido por Carlos na Kinke.
“A inclusão das latinhas, aumenta o custo do produto e geralmente precisa ajustar espaço para estoque, uma vez que não pasteurizamos as latas. Por outro lado, entendemos que as latinhas favorecem a divulgação da marca, já que ela traz uma percepção e assinatura da cerveja. O produto embalado na latinha espalhado em diversos PDVs, ganha uma identidade visual que leva o consumidor a conhecer a cerveja e, muitas vezes atrai esse consumidor para conhecer a cervejaria, o brewpub.” comenta ele sobre o impacto positivo das latas na divulgação da cervejaria.
Adicionalmente, as latas apresentam uma grande vantagem no alinhamento dos brewpubs as vendas online pela maior conveniência para o transporte e maior resistência da embalagem em relação ao vidro, por exemplo.
“Além disso, durante a pandemia, a lata facilita muito as vendas online por maior facilidade de preparar para entrega através das motos e bicicletas dos aplicativos. ” comentou Carlos sobre as melhor adaptabilidade das latas para vendas a distância na Kinke.
Uma nova fase para os brewpubs a partir da pandemia se iniciou em 2020 e, ao mesmo tempo que os custos para o negócio aumentaram, muitas oportunidades advindas das adaptações para se vender a distância chegaram para ficar e as latas terão um protagonismo cada vez maior nisso.
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Sobre o autor
Felipe Freitas é analista do mercado de cerveja, engenheiro químico, mestre em Gestão da Inovação pela UFRJ. Fundador e editor do portal Catalisi.